sábado, 21 de maio de 2011

Narrador x Autor em Ataliba, o vaqueiro, de Francisco Gil Castello Branco *

Carla Adriana de Sousa Barbosa**
Layla Aristiany Nunes Maia
Raimundo Silva do Nascimento



Francisco Gil Castelo Branco nasceu em Livramento (município de José de Freitas) no ano de
1848. Foi diplomata, romancista, contista e contista. Formado em Letras (França), residiu no Rio de
Janeiro, onde foi colaborador de vários periódicos - Revista Luz, Gazeta Universal e Diário de Notícias.
Foi ainda cônsul-geral do Brasil em Assunção (Paraguai) e Marselha (França), onde faleceu em
1874.







Na literatura a utilização da linguagem sempre foi elemento determinante da caracterização da época, da região, do estilo e, principalmente, das personagens. No conto Ataliba, o vaqueiro, de Francisco Gil Castello Branco, cuja temática é a seca no interior do Piauí, há a linguagem do narrador e a das personagens. No que se refere à fala do narrador, percebeu-se traços tendentes ao registro da cultura, léxico e sintaxe lusitanos, senão européia, com a utilização de termos que, muitas vezes, o narrador deixa transparecer sentido ao próprio autor. Na fala das personagens há, por sua vez, uma tentativa de registro da oralidade e dos costumes empregados na época, enriquecida com o recurso muito frequente de onomatopeias.
O autor, como já dito, estabelece uma confusão entre sua fala e a do narrador. Essa afirmação é comprovada na fala da personagem Deodata, na qual o autor transpassa a influência lusitana por ele sofrida, o que se nota, por exemplo, nos diálogos entre Deodata e Teresinha, em que há uma aplicação da norma culta na construção frasal. Entretanto, no conto, Deodata é uma senhora de terceira idade, sem escolaridade, que reside no interior da província e não é dona da terra onde mora, não sendo a colocação pronominal enclítica e o uso do verbo na segunda pessoa usuais do povo daquela região e nível social.
“- Cala-te tola! Gritando, interrompeu Deodata (...)” (1994, p. 78)
“- Então, rapariga, que esperas? Estás cochilando? Tens medo de ir à cozinha? (...)” (1994, p. 83)

Ademais, no decorrer do texto, na fala do narrador há presenças de comparações baseadas mais na influência da cultura europeia que da cultura sertaneja da longínqua Província do Piauí. Veja-se as comparações feitas com um costume francês, um ponto turístico italiano e um instrumento musical do folclore e dança espanholas.
“Depois arranjou a rodilha na cabeça como um coque parisiense (...)” (1994, p. 45)
“Os cabelos... em cocoruto... inclinados qual outra torre de Piza (...)” (1994, p.47)
“(...) com um estrepitoso alarido, batendo castanholas com o dedo, sapateando ao redor do africano (...)” (1994, p.53)

Também, porque feito de forma idealizada, o narrador apresenta um perfil do sertanejo bem diferente da realidade, levando-nos a perceber a “romantização” dessa figura, o que denuncia o forte romantismo de Ataliba, o vaqueiro:
“Ataliba era moço, tinha a figura atlética e a fisionomia cheia de franqueza. O seu trajar caprichoso indicava desde logo que ele era vaqueiro e enamorado.” (1994, p. 43)
“Teresinha era uma morena sedutora. As suas formas, delineando-se em modesta saia de chita e os seios arfando sob alva camisa orlada (...). As tranças espessas, escuras e lustrosas como fios negros de seda (...)”. (1994, p.41)

Ainda é pertinente observar que Francisco Gil utilizou-se de estratégias como o lirismo, quer na comparação das sertanejas com as flores, quer no descrever o apego a terra, quer no dizer da falta de chuva:
“As filhas do sertão são como flores campesinas, a arte não lhes realça o valor (...).” (1994, p.41)
“Eram os últimos agregados da fazenda (...). A execução desse ato era para essa pobre gente um poema de heroísmo, em cada árvore, em cada pedra, em cada recanto dessas campinas desoladas deixavam uma reminiscência, uma saudade, um companheiro de infância – um pedaço d’alma!” (1994, p.71)
“Na alegria ou na dor dava curso aos seus sentimentos, traduzindo-os em versículos (...). Assim, de repente desabafou um largo suspiro dos pulmões e soltou a voz.” (1994, p.73)
Muitas vezes, são as onomatopeias e as cantigas que revelam um pouco do linguajar do narrador/autor, construindo musicalidade ao conto:
“– Té! té! té! té!...”
“- Gru gru gru gru! Gru gru gru gru!”
“– Coré!... Coré!... Coré!...” (1994, p. 59)
“(...) marchando ramram dos pandeiros, ao tilintar das violas (...)” (1994, p.62)
“A flor do – piqui – é branca,
do – bacuri – encarnada,
a flor do jambo é bonita,
mais bonita é minha amada” (1994, p.63)
Não se pode perder de vista que o que se quer averiguar aqui é, principalmente, de que forma o narrador se identifica no texto como o próprio Francisco Gil. No caso, o autor esconde-se atrás do narrador, e, encoberto por ele fala. Ou seja, escondido sob o véu do narrador e das demais personagens o autor de Ataliba, o vaqueiro pôde proferir o seu discurso romantizado, esquecendo-se, porém, disso, insistíveis vezes.
Assim, na tentativa de constituição de uma identidade regional, por intermédio de um discurso popular, a voz do narrador confunde-se, mas raro, com o pensamento e linguagem de um intelectual da época, indicando influências da formação acadêmica e da convivência com a cultura européia, mas ver que Francisco Gil era diplomata de carreira. Até mesmo pela falta de convivência direta com a realidade linguística do Piauí, faltou coerência entre a fala dele e das personagens, fictícias e reais, justificadas, talvez, pela distância geográfica e temporal. Francisco Gil, entre o autor e sua Província natal, imprime, pois, ao discurso do narrador, sua linguagem lusitana e sua visão de mundo eurocêntrica.

Bibliografia:
CASTELLO BRANCO, Francisco Gil. Ataliba, o vaqueiro, Hermione e Abelardo, A Mulher de Ouro. 2. ed. Teresina: APL/UFPI, 1994.
MOURA, Francisco Miguel de. Literatura do Piauí. Teresina: APL/BNB, 2001.
SAMPAIO, Airton. Ataliba, que vaqueiro!
TERRA, Ernani. Linguagem, língua e fala. São Paulo: Scipione, 1997.


Disciplina Literatura de Autores Piauienses - UFPI 2011/1

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