sábado, 28 de maio de 2011

ALFBETIZAÇÃO E LETRAMENTO ( RESENHA)

CARLA ADRIANA DE SOUSA BARBOSA



TFOUNI, Leda Verdiani. Letramento e alfabetização. 2. ed. - São Paulo: Cortez, 1997. - ( Questões da nossa época).


LEDA VERDIANI TFOUNI é linguista licenciada em Letras Anglo-Germânicas pela UNESP de Araraquara; Master of in Language Acquisition pela University of Califórnia, Santa Barbara, EUA. Doutora em Ciências pelo Instituto Estudos da Linguagem da UNICAMP e livre-docente pela USP. È atualmente professora associada do departamento de Psicologia e Educação da Faculdade de São Paulo, campus de Ribeirão Preto. Tem vários trabalhos publicados ,dentre os quais : Adultos não-alfabetizados: O Avesso do Avesso (Editora Ponte), A Escrita: Remédio ou Veneno? In Alfabetização Hoje (Cortez) e Perspectivas históricas do letramento, in Cadernos de Estudos Linguísticos. Atua na área de alfabetização de adultos, através de estágio profissionalizante. Tem estágios de pós-doutoramento no exterior, realizados nas seguintes universidades: Università Degli Studi, Bologna, Itália; University of Sheffield, Inglaterra; Université Libre de Bruxelles,Bélgica, e Université de la Soborne Nouvelle, Paris, França.


Tfouni, em sua obra “Letramento e alfabetização”, procura explicitar concepções de alfabetização e de letramento e faz um breve histórico da escrita, o que a escrita representa para a sociedade e que ela está sempre ligada as relações de poder e como a escrita pode ser usada como objeto de desenvolvimento social, cognitivo e cultural dos povos.
Para a autora existem dois intendimentos para alfabetização: “um processo de aquisição de habilidades requeridas para a leitura e a escrita. Ela explica que do ponto de vista sociointeracionista, a alfabetização, enquanto processo individual, não se completa nunca pois a sociedade está em constante mudança. Tfouni mostra uma preocupação com teorias que veem a alfabetização como um processo definidos em objetivos de escolarização sem fazer distinções do ponto de vista ideológico. A autora menciona no seu livro Pierri Girroux(1983) para esclarecer a questão acima citada: sobre a a escolarização sem ressaltar o ponto de vista ideológico. Faz uma argumentação mencionando que embora a alfabetização tenha voltado a ser um item educacional posto em evidência, o discurso que domina o debate distancia-se de ama análise significativa da questão, representando um processo conservador.
O segundo entendimento para a alfabetização é como um processo de representação, que segundo Emília Ferreiro a escrita deveria ser usada como um sistema de representação que evolui historicamente e não somente como um código de transcrição gráfica, devendo assim, respeitar o processo de simbolização.
Segundo a autora, os estudos sobre letramento procuram examinar não somente as pessoas que adquiriram a tecnologia do ler e escrever, portanto alfabetizadas, como também aquelas que não adquiriram essa tecnologia, sendo elas consideradas “analfabetas”. Afirma Tfouni que existem letramentos de natureza variada, inclusive sem a presença da alfabetização. Para dar conta disso, a autora postulou, após discussões a respeito com Ginzburg, durante visita científica feita em Bologna, um “continuum”, que, pela própria natureza, opõe-se a uma visão linear e dicotômica, visto que encara as diferenças entre os níveis de letramento como sendo produzidas discursivamente, o que equivale a considerar que a relação entre “ser alfabetizado” e “ser letrado” não é de maneira alguma linear.
A autora deixa bem claro no segundo capítulo do seu livro, que não concorda com outras contribuições de conceito de letramento associadas (usadas como sinônimo) a alfabetização, pois Tfouni distinguem alfabetização e letramento e atribui ao letramento características mais complexas do que o domínio da habilidade de leitura e escrita. Entende por letramento um processo de natureza sócio-histórica: Enquanto a alfabetização se ocupa da aquisição da escrita por um indivíduo, ou grupo de indivíduos, o letramento focaliza os aspectos sócio-históricos da aquisição de um sistema escrito por uma sociedade. Esse ponto de vista ela exemplifica apresentando três perspectivas sob o qual o termo literacy (vocábulo inglês) está associado ao letramento, onde as três perspectivas enfocam a concepção de literacy enquanto aquisição de leitura/escrita (codificação/decodificação) deixando de lado os aspectos sociais e culturais do letramento. Afirma que essas três perspectivas também poderiam ser colocadas a favor da teoria da “grande divisa” que propõe uma separação dicotômica entre usos orais e usos escritos da língua, ao mesmo tempo em que incorpora a interpretação (ideologicamente construída), segundo a qual as modalidades orais seriam “inferiores” às escritas.
Tfouni menciona STREET(1989) para explicar o que seria a “Grande divisa” e falar do “modelo autônomo” do letramento que se encaixaria na nova teoria da grande divisa onde esse modelo parte da suposição de que o letramento se resume a habilidades para leitura e escrita, e também que ele, por si próprio (ou seja, autonomamente), terá efeitos
nas práticas sociais e cognitivas. Do mesmo modo, assume que o letramento traz consequências sociais, como a “modernização”, o “progresso” e a “racionalidade econômica”, para citar apenas alguns aspectos. A autora relaciona dois exemplos de pessoas escolarizadas para exemplificar o que seria letramento e escolaridade, é apresentada uma carta de uma aluna universitária onde a mesma tenta expressar-se onde escreve valendo-se de um léxico que foge a linguagem cotidiana e assim acabou por transformar sua carta numa paródia, mostra nesse exemplo a falta de noção de discurso da autora da carta.
Analisando narrativas orais de uma mulher não-alfabetizada (Dona Madalena), Tfouni (1997) conclui que o sujeito, nessas narrativas, não é um mero eco de fórmulas pré-existentes. Ao contrário, ele está constantemente atuando sobre a estrutura linguístico-discursiva da narrativas, construindo efeitos de sentido que estão relacionados a sua (do sujeito) memória enunciativa, a elementos do interdiscurso e a mecanismos de antecipação (formações imaginárias) sobre necessidades virtuais do narratário – a pesquisadora denomina isso de “trabalho de autoria”. O trabalho de Tfouni(1997) tem procurado mostrar que a “autoria” parece ser o conceito mais adequado para lidar com essa hipótese de letramento /alfabetização. Trata-se de elucidar que, como já dissemos, ao contrário do que apregoam defensores da grande divisa, como Scholles e Kellog (1977), existe autoria no discurso oral de sujeitos não-alfabetizados. Na contramão, é preciso mostrar que o discurso escrito, muitas vezes, não está organizado dentro de um princípio de autoria.
Tfouni cita GREENFIELD (1972) para expor que, somente pessoas alfabetizadas apresentam habilidades como: abstração, simbolização e lógica formal. Cita também vários outros autores que afirmam que a diferença entre as sociedades letradas e as sociedades grafadas, está nos processos cognitivos e no desenvolvimento da lógica e que a língua escrita é o instrumento para o pensamento lógico, levando assim, o raciocínio lógico-verbal ou o silogismo, à materialização discursiva.
Tfouni cita Luria para fomentar seu comentário sobre o processo de produção sócio-histórica de sistemas de códigos. Ela aborda uma problemática a ser respondida: Se as pessoas não-alfabetizadas não “entendem” os silogismos, quais estruturas elas colocam no lugar? Para responder a essa questão Tfouni fez uma pesquisa de campo junto com uma analise dos dados onde procurava detectar lugares do funcionamento linguístico-discursivo dos adultos pesquisados. Essas pesquisas foi dado silogismos para que repetisse e eles acabavam repetindo em forma de narrativas que aparecem, então, como uma oposição, no discurso do não-alfabetizado, à organização lógica e formalizada do discurso alfabetizado, que se materializa no silogismo e no discurso científico. A autora também explica que os silogismos são a materialização das principais características atribuídas à escrita e ao letramento que é a descontextualização, a objetividade. Podemos fazer notar que,nos recortes das narrativas orais ficcionais da pesquisa, há um funcionamento em que vemos a utilização de um outro discurso, baseado em genéricos que perpassam o cotidiano dos sujeitos linguageiros (ditados, motes, ditos populares, slogans etc) e que são mobilizados por eles diante das lacunas de sentido presentes no silogismo. presentes na premissa maior do silogismo, cuja função é restringir o conhecimento, assim, fechar as perspectivas a partir se fala do objeto.
No último capitulo do seu livro Tfouni afirma que não existe coincidência entre o sujeito da escrita e o sujeito do letramento, ela explica que o sujeito da escrita é dominado por uma onipotência que produz nele um poder. Conclui no entanto que o sujeito do letramento não precisa ser alfabetizado. Ítalo Calvino é citado para falar da onipotência da escrita na escrita literária. ATTÉI (1989), diz que compara a escrita literária com a analítica, onde as duas se aproximam por meio de um paradoxo. Para Tfouni outro fator que dá a impressão de poder na escrita é “saber metalinguístico” , que teve seu aparecimento na escrita.
Através de tfouni podemos perceber que letramento não é só leitura e escrita associada a alfabetização, mas que devemos perceber os fatos históricos e socias do letramento. Essa obra é indicada para profissionais que atuam em sala de aula e que trabalham com a alfabetização de adultos não-alfabetizados, e também para motivo de pesquisa de alunos de faculdades.

sábado, 21 de maio de 2011

Narrador x Autor em Ataliba, o vaqueiro, de Francisco Gil Castello Branco *

Carla Adriana de Sousa Barbosa**
Layla Aristiany Nunes Maia
Raimundo Silva do Nascimento



Francisco Gil Castelo Branco nasceu em Livramento (município de José de Freitas) no ano de
1848. Foi diplomata, romancista, contista e contista. Formado em Letras (França), residiu no Rio de
Janeiro, onde foi colaborador de vários periódicos - Revista Luz, Gazeta Universal e Diário de Notícias.
Foi ainda cônsul-geral do Brasil em Assunção (Paraguai) e Marselha (França), onde faleceu em
1874.







Na literatura a utilização da linguagem sempre foi elemento determinante da caracterização da época, da região, do estilo e, principalmente, das personagens. No conto Ataliba, o vaqueiro, de Francisco Gil Castello Branco, cuja temática é a seca no interior do Piauí, há a linguagem do narrador e a das personagens. No que se refere à fala do narrador, percebeu-se traços tendentes ao registro da cultura, léxico e sintaxe lusitanos, senão européia, com a utilização de termos que, muitas vezes, o narrador deixa transparecer sentido ao próprio autor. Na fala das personagens há, por sua vez, uma tentativa de registro da oralidade e dos costumes empregados na época, enriquecida com o recurso muito frequente de onomatopeias.
O autor, como já dito, estabelece uma confusão entre sua fala e a do narrador. Essa afirmação é comprovada na fala da personagem Deodata, na qual o autor transpassa a influência lusitana por ele sofrida, o que se nota, por exemplo, nos diálogos entre Deodata e Teresinha, em que há uma aplicação da norma culta na construção frasal. Entretanto, no conto, Deodata é uma senhora de terceira idade, sem escolaridade, que reside no interior da província e não é dona da terra onde mora, não sendo a colocação pronominal enclítica e o uso do verbo na segunda pessoa usuais do povo daquela região e nível social.
“- Cala-te tola! Gritando, interrompeu Deodata (...)” (1994, p. 78)
“- Então, rapariga, que esperas? Estás cochilando? Tens medo de ir à cozinha? (...)” (1994, p. 83)

Ademais, no decorrer do texto, na fala do narrador há presenças de comparações baseadas mais na influência da cultura europeia que da cultura sertaneja da longínqua Província do Piauí. Veja-se as comparações feitas com um costume francês, um ponto turístico italiano e um instrumento musical do folclore e dança espanholas.
“Depois arranjou a rodilha na cabeça como um coque parisiense (...)” (1994, p. 45)
“Os cabelos... em cocoruto... inclinados qual outra torre de Piza (...)” (1994, p.47)
“(...) com um estrepitoso alarido, batendo castanholas com o dedo, sapateando ao redor do africano (...)” (1994, p.53)

Também, porque feito de forma idealizada, o narrador apresenta um perfil do sertanejo bem diferente da realidade, levando-nos a perceber a “romantização” dessa figura, o que denuncia o forte romantismo de Ataliba, o vaqueiro:
“Ataliba era moço, tinha a figura atlética e a fisionomia cheia de franqueza. O seu trajar caprichoso indicava desde logo que ele era vaqueiro e enamorado.” (1994, p. 43)
“Teresinha era uma morena sedutora. As suas formas, delineando-se em modesta saia de chita e os seios arfando sob alva camisa orlada (...). As tranças espessas, escuras e lustrosas como fios negros de seda (...)”. (1994, p.41)

Ainda é pertinente observar que Francisco Gil utilizou-se de estratégias como o lirismo, quer na comparação das sertanejas com as flores, quer no descrever o apego a terra, quer no dizer da falta de chuva:
“As filhas do sertão são como flores campesinas, a arte não lhes realça o valor (...).” (1994, p.41)
“Eram os últimos agregados da fazenda (...). A execução desse ato era para essa pobre gente um poema de heroísmo, em cada árvore, em cada pedra, em cada recanto dessas campinas desoladas deixavam uma reminiscência, uma saudade, um companheiro de infância – um pedaço d’alma!” (1994, p.71)
“Na alegria ou na dor dava curso aos seus sentimentos, traduzindo-os em versículos (...). Assim, de repente desabafou um largo suspiro dos pulmões e soltou a voz.” (1994, p.73)
Muitas vezes, são as onomatopeias e as cantigas que revelam um pouco do linguajar do narrador/autor, construindo musicalidade ao conto:
“– Té! té! té! té!...”
“- Gru gru gru gru! Gru gru gru gru!”
“– Coré!... Coré!... Coré!...” (1994, p. 59)
“(...) marchando ramram dos pandeiros, ao tilintar das violas (...)” (1994, p.62)
“A flor do – piqui – é branca,
do – bacuri – encarnada,
a flor do jambo é bonita,
mais bonita é minha amada” (1994, p.63)
Não se pode perder de vista que o que se quer averiguar aqui é, principalmente, de que forma o narrador se identifica no texto como o próprio Francisco Gil. No caso, o autor esconde-se atrás do narrador, e, encoberto por ele fala. Ou seja, escondido sob o véu do narrador e das demais personagens o autor de Ataliba, o vaqueiro pôde proferir o seu discurso romantizado, esquecendo-se, porém, disso, insistíveis vezes.
Assim, na tentativa de constituição de uma identidade regional, por intermédio de um discurso popular, a voz do narrador confunde-se, mas raro, com o pensamento e linguagem de um intelectual da época, indicando influências da formação acadêmica e da convivência com a cultura européia, mas ver que Francisco Gil era diplomata de carreira. Até mesmo pela falta de convivência direta com a realidade linguística do Piauí, faltou coerência entre a fala dele e das personagens, fictícias e reais, justificadas, talvez, pela distância geográfica e temporal. Francisco Gil, entre o autor e sua Província natal, imprime, pois, ao discurso do narrador, sua linguagem lusitana e sua visão de mundo eurocêntrica.

Bibliografia:
CASTELLO BRANCO, Francisco Gil. Ataliba, o vaqueiro, Hermione e Abelardo, A Mulher de Ouro. 2. ed. Teresina: APL/UFPI, 1994.
MOURA, Francisco Miguel de. Literatura do Piauí. Teresina: APL/BNB, 2001.
SAMPAIO, Airton. Ataliba, que vaqueiro!
TERRA, Ernani. Linguagem, língua e fala. São Paulo: Scipione, 1997.


Disciplina Literatura de Autores Piauienses - UFPI 2011/1